Achei que seria melhor esquecer. Foi o que tentei fazer. O que estou tentando. Mas de vez em quando acontecem essas ameaças de revelações, e as dúvidas voltam. (…) Acho que o fato de ser só é inevitável, independe de fatos externos. Há pessoas que nascem para serem sós a vida inteira. Eu, por exemplo. Acho que mesmo que um dia case e tenha uns dez filhos (coisa que não me atrai nem um pouco, diga-se de passagem), ou mesmo que consiga encontrar a amizade que sonho — e de cuja existência a cada dia mais e mais duvido — acho que mesmo que aconteçam essas coisas, continuarei só. Freqüentemente me assusto, pensando que a vida vai acabar sem que eu encontre um grande amor ou uma grande amizade, ou mesmo uma grande vocação que justifique esse isolamento. Mas nada posso fazer, estas coisas acontecem sem que a gente a procure. O melhor a fazer é deixar “lavrado o campo, a casa limpa, a mesa posta, com cada coisa em seu lugar”, como disse o poeta. E mesmo assim, talvez eu continue a fazer as refeições sozinho durante toda a vida.
— (Caio Fernando Abreu)
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